junho 14, 2022

No plano inclinado

*Sérgio Paulo Muniz Costa

Diante da inexplicável polêmica em torno da eleição com o uso das urnas eletrônicas, é preciso que nos posicionemos como cidadãos nesse tema que é, inequivocamente, do interesse de todos nós.

A maior preocupação das pessoas bem-intencionadas e devotadas ao bem público deve ser a reafirmação da credibilidade do sistema eleitoral brasileiro que vem se aperfeiçoando continuamente, a par e passo com a evolução e com o amadurecimento político do País.

Há cerca de vinte anos, o Brasil pôde exibir ao mundo, com justificado orgulho, mais um avanço do seu sistema eleitoral, com a adoção de meios eletrônicos e digitais que conferiram rapidez e precisão à votação e à apuração do resultado dos pleitos no País.

Também há cerca de vinte anos assistimos a maior democracia do mundo viver o constrangimento de não conseguir concluir a apuração dos votos de uma de suas mais importantes eleições, que houve que ser interrompida como forma de não deflagração de grave crise institucional. Não é preciso muito esforço para verificarmos que, de lá para cá, muito pouco foi feito nos Estados Unidos para aperfeiçoar o seu processo eleitoral. Quem trabalhou ou viveu nos EUA e assistiu uma eleição no país fica impressionado com o primarismo do seu sistema eleitoral, no qual pessoas votam apresentando uma conta de luz, inexistem conferências de registro de voto e cada estado tem a sua legislação e prática eleitorais, uma situação incompatível com a complexidade das modernas sociedades atingidas que são por crimes de toda natureza, inclusive os políticos, contra a democracia. Não são necessárias maiores considerações sobre em que resultou essa inação.

Acostumados a nos menosprezar, nós brasileiros esquecemos, ou ignoramos mesmo, os aperfeiçoamentos de nosso sistema eleitoral que vêm de 1965, quanto ele foi racionalizado e sistematizado em âmbito nacional na forma de um código até hoje em vigor que definiu atribuições e mecanismos de controle de todas as etapas das eleições.

Essa é a base de todo sistema eleitoral do Brasil e a chave de sua legitimidade está no seu contínuo aperfeiçoamento ao longo de quase sessenta anos.

Um sistema eleitoral não é um fim em si mesmo, fechado em sua própria lógica e procederes. Afinal, não se fazem eleições sem votos e sem confiança. A História recente mostra o que acontece aos países em que faltaram um e outro.

É inadmissível, portanto, que uma democracia consolidada como a brasileira, dona de um sistema eleitoral bem fundamentado e em contínuo aperfeiçoamento, se deixe tomar pela discussão insensata que, a cada dia, se agrava e expande, sem que se vislumbre qualquer sinal de convergência para a efetiva solução do seu objeto primário: eleições.

O mínimo que se pode dizer em relação à questão das urnas eletrônicas é que a discussão foi e está sendo mal-conduzida.

Não há sistema, de qualquer natureza, que se valide por si próprio. No caso da política, mais do que legal, todo sistema deve ser legítimo, ou seja, respaldar-se em princípios naturalmente compreendidos pela população que dele se vale, para ser representada, escolher seus governantes, participar das decisões e assim por diante.

É incompreensível que, por conta da má condução dessa discussão, vital para a democracia brasileira, propostas simples de aperfeiçoamento do sistema eleitoral do País tenham sido sumariamente descartadas, como foi a da auditagem por amostragem de voto impresso. Ou, por outro lado, que alguém cogite fazer política a partir da contestação do sistema eleitoral.

O recente envolvimento das Forças Armadas na questão – convidadas que foram pela autoridade eleitoral a participar das discussões em torno do robustecimento do sistema eleitoral brasileiro – ao invés de contribuir para a pacificação do ambiente, provocou manifestações incompatíveis com o papel das instituições no País.

As Forças Armadas cumprem suas obrigações, como a vasta maioria da população reconhece. E começam a cumpri-las pelo atendimento dos prazos.

É ofensa desnecessária uma autoridade afirmar que as Forças Armadas não cumpriram prazos. Como é respondê-las com sofismas e menosprezo. E um agravo leviano esperar que elas se omitam, quando solicitadas a participar naquilo que é sua missão constitucional: a defesa da Pátria, ameaçada também nos dias de hoje pelos ataques às suas instituições e por novas formas de guerra.

Como também é de uma imaturidade pueril acreditar que no cumprimento desse seu dever elas se movam pela vontade de um “chefe”. Elas cumprem seu dever como instituições de Estado que obedecem ao governo legalmente constituído e servem à Nação de onde provêm.

O Brasil está no plano inclinado de um desastre. Para evitá-lo, basta uma coisa: sensatez.

Um mínimo será suficiente.

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