Como se não bastasse a investida contra a vida do nascituro, intenta-se agora contra a vida em seu apagar. O aborto, promovido por grupos bem identificados, e o suicídio assistido, de origem e propósitos incertos, são atentados à vida segundo o direito natural.
Esse é o maior escândalo das modernas sociedades: a violação do direito à vida, apesar dos avanços civilizacionais plasmados no reconhecimento dos direitos humanos, na proscrição das guerras de agressão e no direito positivo que prescreve as normas e condutas individuais. Os atentados à vida estão na origem dos males cardeais de todos os tempos que persistem na atualidade: corrupção, violência, miséria e opressão. Afinal, como poderia o homem, ser social por excelência, conviver harmoniosamente com seus semelhantes sem o respeito ao que lhe dá existência? A destruição da vida pela barbárie que escandaliza os modernos foi substituída por outra, mais letrada e mais eficaz, da qual eles não têm consciência.
Três séculos de sistemático ataque a tudo que é cristão em uma civilização que nasceu no cristianismo redundaram na maior guerra da História, na qual a morte não serviu só ao propósito militar, mas ao de erradicar completamente a existência de humanos. Esse escândalo ocorrido em uma das sociedades mais avançadas do mundo, sob a égide de um Estado de Direito (não democrático, mas de Direito) e executado industrialmente pela sua burocracia e seu aparato policial devia ter nos ensinado o quão inúteis são as instituições em um vazio moral. Mas não. Ao contrário, ressurge agora, terrível, na comemoração orgiástica da morte de inocentes condenados de antemão pelo que são.
Não por coincidência, esse festejo macabro da morte pela morte que tomou as ruas das principais cidades americanas e europeias depois do 7 de outubro acontece em sociedades onde a ideologia da morte avança e se impõe por meios legais e infralegais, sociedades que progressivamente deixam de ser cristãs, porém se escandalizam com a tentativa de imigrantes em preencher o vazio existencial que nelas se abre. O fenômeno não é novo.
O trabalho de Émile Durkheim, filósofo laicista da universidade francesa, sobre o suicídio (Le Suicide, 1897) é uma demonstração da contradição em que foram lançadas as sociedades modernas. Atribuindo o suicídio à “insuficiente integração do indivíduo na coletividade”, Durkheim descarta a família, o estado e a religião como instituições capazes de fazê-lo, considerando a religião incapaz de “precisar as obrigações ou as regras às quais os homens devem submeter-se na vida profana”. Em Durkheim, o filósofo positivista obcecado pelo consenso social, o círculo de anomia, iniciado pelos iluministas duzentos anos antes, fecha-se na ingênua concepção sociológica (e socialista) da integração do indivíduo pelas corporações de trabalho.
Mais de cem anos depois de Durkheim, o círculo se fecha novamente na concepção duplamente mortal de aborto-suicídio em sociedades do Ocidente que se encaminham para a auto extinção, a começar pela forma de vida política que as caracteriza historicamente, a democracia liberal.
Se o primeiro círculo se encerrou na sensação de impotência diante da iminente desagregação social, o segundo se extingue na perda de sentido da vida, não só individual, mas coletiva, uma perda tão grande que olvida a vontade de viver uma outra vida após a morte, já presente nos primeiros hominídeos, uma condição humana por natureza.
A arrogância do homem moderno em pretender dar e retirar algo que, em essência, não lhe pertence, a vida, o está levando à perda de si mesmo, em qualquer existência: pessoal, social, política e, em última análise, em outra vida. Sem coragem para negar a existência de Deus, o homem que perde a si mesmo tenta passar à outra vida dando fim à que vive, esquecendo-se que essa vida almejada é a da salvação, que ele não pode alcançar buscando a morte.
A passagem bíblica da morte de Saul nos ensina que o suicídio é a falta de coragem na adversidade, é a capitulação de uma vida ao infortúnio. A descendência de Saul não pereceu porque ele foi salvo após sua morte pela coragem dos companheiros que resgataram seu corpo e lhe deram sepultura digna sob o seu Deus.
Como em tantos temas, mas acima de tudo no da vida, a Igreja Católica, que não desespera das pessoas que se mataram, tem o que dizer em seu Catecismo:
O suicídio contradiz a inclinação natural do ser humano a conservar e perpetuar a própria vida. É gravemente contrário ao justo amor de si próprio. Ofende igualmente ao amor do próximo, porque rompe injustamente os vínculos de solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, às quais nos ligam muitas obrigações. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo.
Quem sabe, se a ouvirmos, o suicídio de uns não se torna o suicídio de todos, o da sociedade em que vivemos.