A ciência polı́tica, estreitamente ligada à filosofia da História, trata dos processos pelos quais algumas pessoas conduzem os negócios públicos de uma sociedade. Diferencia-se da doutrina polı́tica por querer compreender, não persuadir.
(resposta ao editorial de OESP de 27/11/2025)
· Sérgio Paulo Muniz Costa
Merece resposta quem deve ser ouvido e de quem se discorda, como é o caso do jornal O Estado de São Paulo (OESP) que tem alertado para a situação do País. Cabe, portanto, resposta ao seu editorial de 27 de novembro de 2025, referente a mais um episódio da crise em que se debate o Brasil, sem saída à vista. Ao contrário do desfecho que sugere o título da matéria.
Está faltando História na apreciação da desordem que engolfa a nossa sociedade. Por mais consternadora que seja a atual crise política brasileira, ela não se compara à ocorrida há mais de cem anos, deflagrada pelas cartas falsas atribuídas a Arthur Bernardes e que culminaram na revolta de 1922, dando início a um ciclo de violência, instabilidade e autoritarismo que se estendeu por quase todo o século XX.
A leitura do insuspeito Hélio Silva pode ajudar a entender como um sistema eleitoral corrompido pelo voto a bico de pena, um jacobinismo militar infiltrado nas Forças Armadas, uma sociedade dividida até a raiz e a ação deletéria de intrigantes e falsários, tudo posto no colo da mãe de todas as crises da República, a sucessão presidencial, deflagrou uma tempestade política cujo desfecho, parece agora, não aconteceu até hoje.
Jair Bolsonaro não foi o primeiro ex-presidente preso acusado de conspiração. O Marechal Hermes da Fonseca, ex-presidente da República e ex-ministro da guerra, foi preso por ter, como oficial mais antigo do Almanaque do Exército e presidente do Clube Militar, expedido o famoso telegrama de advertência ao comandante da 6ª Região Militar, cujas tropas estavam envolvidas na política local de Pernambuco, o qual se encerrava com a frase que atravessou um século: “não esqueçais que as situações políticas passam, e o Exército fica”.
Como foi possível um ex-presidente que esteve afastado do País por seis anos depois de concluído seu mandato, que não aliciou ninguém a revolta alguma, que pretendeu reagir à prisão que entendia por injusta com uma mera ação judicial e que não consentiu que seus colegas de farda se revoltassem por sua causa se tornar o polo das esperanças do povo e pretexto para a revolta de 1922?
Culpar as cartas e os “tenentes” pela crise de 22 é tão inútil quanto culpar Jair Bolsonaro pela “erosão institucional do país”, como quer o editorial de OESP. Bolsonaro é produto dela, não causa, seja como exacerbado falastrão para seus detratores, seja como porta-voz de um fundado inconformismo de seus admiradores. Tampouco atribuir a culpa a “figuras cuja trajetória foi moldada pela nostalgia autoritária e pela crença na superioridade moral dos militares”. Existe algo em comum aos três generais-de-exército presos sob acusação de participarem de uma trama golpista contra o Estado Democrático de Direito no Brasil que vai muito além das carreiras bem-sucedidas no serviço à Nação: suas atitudes, palavras e atuações dentro da estrita obediência à legalidade institucional que o Exército Brasileiro tem por apanágio.
É absolutamente falso que Heleno, Braga Netto e Paulo Sérgio, ao longo de suas carreiras e, particularmente, quando no último posto, tenham defendido soluções autoritárias extraconstitucionais para as crises que testemunharam.
Heleno teve uma carreira brilhante, não apenas militar, mas política na instituição, servindo na Casa Militar da Presidência da República, depois Gabinete de Segurança Institucional, e foi Chefe de Gabinete do Comandante do Exército, funções no exercício das quais testemunhou algumas das maiores crises do País. Quando, no apogeu da carreira, foi questionado sobre o tema sem fim, 1964, por mais de uma vez, encareceu por uma atitude e uma política de olhar em frente e não pelo retrovisor. Como Chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, relacionou-se excepcionalmente bem com a imprensa, despertando admiração e respeito até de jornalistas não necessariamente simpáticos ao Exército.
Braga Neto, como Comandante Militar de Área, aceitou e se desincumbiu de uma das mais espinhosas missões que podem ser atribuídas a um oficial-general no Brasil: ser executor de uma intervenção federal parcial em uma unidade da federação tomada não só pelo crime, mas também pela corrupção, e o fez sabendo separar bem o que podia fazer do que não podia.
Paulo Sérgio foi Comandante Militar de Área em região assolada por graves problemas, em um dos momentos mais críticos da vida recente nacional, o que exigiu um relacionamento de alto nível com governadores locais, cujas posições estavam longe de ser alinhadas às do governo federal.
A “crença na superioridade moral dos militares” fica bem em um manual da militância petista, mas não devia constar de um editorial de OESP, e muito menos ser aplicada a esses homens que, na verdade, se superaram no cumprimento do dever.
O que deve ser examinado à luz da crise atual é a degradação política do Brasil, que está longe de poder ser atribuída aos militares. Por mais que choque alguns, é meridiano que as Forças Armadas amadureceram mais do que as elites políticas nesses quarenta anos desde o início da Nova República.
Gerações de brasileiros não cresceram “cientes de que militares de alta patente sempre gozam de um tipo de imunidade tácita como se a farda lhes conferisse salvo-conduto para interferir no curso da vida política da Nação”. Gerações de brasileiros cresceram, sim, anestesiadas sobre a História do Brasil, negado-lhes o direito de conhecê-la por inteiro, sem os preconceitos e revisionismos ideológicos que empestearam o ambiente acadêmico, estudantil e das redações nos últimos sessenta anos.
Tivessem sido educadas por elites mais conscientes e responsáveis e não pelos nhonhôs e sinhás que as querem manter na ignorância que lhes convêm, gerações de brasileiros teriam aprendido que, naquilo que diz respeito aos militares, o mal do Brasil são as vivandeiras que batem às portas dos quartéis buscando o “seu” general para resolver os seus problemas que estão longe de ser os do País.
Os cadetes que Heleno e Paulo Sérgio formaram e os tenentes que Braga Neto enviou para missões de Garantia da Lei da Ordem, dentro da mais estrita obediência à lei, são produto de uma escola de honra e serviço à Pátria, e jamais de um valhacouto de conspiradores que a infâmia da instrumentalização picaresca dos acontecimentos de 8 de janeiro pretende fazer parecerem as Forças Armadas.
Afinal, se o ineditismo (que nada tem de inédito) da prisão de generais cheirava a vingança do tema sem fim, ela ficou patente no “não mais” proclamado pelo editorial. Não mais generais golpistas, nunca mais, foi o que saudou OESP.
Quais caro editorialista? Entram nessa lista apenas os militares do tema sem fim ou também entra o que Brizola manipulou para uma guerra civil? E o que destituiu dois presidentes da República, mandou que o Exército disparasse contra navio da Marinha e depois aceitou o cargo de ministro no governo que se beneficiou de sua intervenção? Fica de fora também?
O risco da atual crise não é uma repetição da História, pois ela não se repete, e sim o de ignorar as lições que ela deixa, não as de 64, por incrível que pareça, muito próximas das paixões do momento.
Pretender que a prisão de generais seja desfecho da crise da vez é voltar a 1922.
Há que se buscar outro desfecho.
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